Você deve ter ouvido expressões como “babado” e “boy magia”. Talvez já tenha assistido ou ouvido falar no reality show “RuPaul’s Drag Race”. E provavelmente já viu a cantora Pabllo Vittar no YouTube, na TV, na novela “A Força do Querer”e até no Rock in Rio. Dá para perceber: a cultura das drag queens atingiu um nível de visibilidade no Brasil que não pode ser mais ignorada.
A imagem de drags restritas aos clubes da comunidade LGBTQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Queer) ou como “figuras exóticas” em bailes de carnaval, quando eram chamadas de “transformistas”, já está no passado. Pabllo Vittar tem mais de 400 milhões de visualizações no YouTube, mais de 4,5 milhões de seguidores no Instagram, está em parada da Billboard e já apareceu em vários programas da televisão aberta. Fez até participação no show da cantora americana Fergie no palco principal do Rock in Rio.
Nos EUA, a audiência do encerramento da temporada 2017 de “RuPaul’s Drag Race” – uma competição que desafia drag queens em provas sobre costura, dublagem, improviso e maquiagem – foi a maior entre os episódios finais de todas as 9 edições. E vai ganhar uma versão brasileira em breve. Os números comprovam o sucesso e o interesse crescentes. Vai a largos passos o arrastar – verbo que em inglês é “drag”, daí a origem do termo – dos longos vestidos de quem brilha na arte.
“Este ano foi um divisor de águas na minha vida, sabe?”, diz Pabllo em entrevista ao G1. “Eu recebo muitas mensagens de pessoas, crianças e até mesmo de gente mais velha que se inspira em mim e que se vê representada de verdade. Quando eu era criança não tinha ídolo assim para me espelhar, alguém que estivesse ali levantando uma bandeira que fosse nossa [LGBT]”, disse.
“Mas fico muito feliz de receber mensagens de pessoas que falam que são mais felizes em casa, que a mãe está aceitando, que podem conversar com os pais e que estão sendo mais fiéis a quem são de verdade.”
Ao lado de Pabllo, outra drag a se destacar com a própria voz e composições é Gloria Groove, que invadiu um terreno normalmente ocupado por machões falastrões: o hip hop. “Logo depois de eu conhecer a cultura drag, foi quando eu comecei a letrar [escrever raps]. O instinto mesmo apareceu.”
Já RuPaul e seu reality deram um bom empurrão nas apresentações de drag queens no Brasil, que começaram a atrair um público cada vez mais abrangente. Bianca Del Rio, que se destacou em “Drag Race” e até virou meme (“not today Satan”, que é um “vade retro” com mais brilho), chamou um público de 1.800 pessoas quando passou por São Paulo.
A drag norte-americana estrelou uma edição da festa “Priscilla”, a maior do gênero. Inaugurada em outubro de 2014, o evento mobiliza no dia das performances 60 pessoas, incluindo drags nacionais para shows de abertura, assistentes na produção, seguranças, bartenders, técnicos, hosts, DJs e outros.
Mas essa cena não começou ontem. Tanto que Eduardo Albarella – um senhor de 78 anos – sobe nos saltos, coloca peruca, monta os melhores figurinos e capricha na maquiagem para viver Miss Biá. Uma drag queen – ou ator transformista – com quase 60 anos de carreira.
A arte drag também vem ganhando performers… mulheres. Isabel Cavalcanti, Bruna Tieme e Fernanda Aquino se encontraram em um grupo de Facebook e decidiram, com mais seis garotas, montar o coletivo “Riot Queens” em dezembro de 2015.
“Queríamos mostrar que a gente pode, sabe? Que não é porque a gente é mulher que é menos drag que outros”, afirma Bruna. As três relatam resistências, em maior ou menor grau, vindas das famílias e da própria comunidade LGBTQ. “Eles falam: ‘mas não é justo mas porque você é mulher’. Justo? É uma competição? Como assim, que papo é esse?”, completa Bruna.
E mesmo quem já tem alguma iniciação no mundo das drag queens ainda pode ter dúvidas sobre algumas questões. Por exemplo, drag queen é o mesmo que transgênero? Toda drag queen é homossexual?
Apesar de socialmente associada à comunidade gay, a arte drag não tem a ver com gênero ou sexualidade. Um homem hétero pode se montar para fins artísticos. Mulheres, como provam as garotas citadas há pouco, também podem. Mas a questão não é simples.
E como falamos lá no comecinho, as gírias espalhadas pelas drag queens são uma das maiores marcas delas na cultura pop. Acuendar, jogar shade, tombar, montação… as drag queens têm um vocabulário todo delas para tratar de situações comuns a quem sobe no salto e mostra toda a sua atitude.